Wednesday, February 4, 2009

04-02-2009 Responsabilidade

A distribuição desigual dos benefícios da globalização criou um problema social e, logo, um problema político.
Modelos teórico-ideológicos legitimaram as práticas que conduziram à presente recessão e à mais do que provavel depressão económica mundial. Muitos governos de países desenvolvidos, a começar pelos EUA, muitos gestores de sectores económicos específicos, com particular destaque para a banca, muitos investidores e muitos consumidores responderam "escrupulosamente" aos incentivos que esses mesmos modelos geraram e deles beneficiaram amplamente. Mecanismos de segurança foram iludidos. Modelos micro-económicos prescritivos baseados em análises descontextualizadas das rápidas transformações macroeconómicas globais, permitiram a catástrofe económica que o Mundo hoje enfrenta. Os macro-economistas, que previram os desastrosos efeitos sistémicos, foram subestimados enquanto os micro-economistas dispuseram das luzes da ribalta. As teorias económicas dominantes, transformadas em ideologias e guias de acção, falharam na capacidade de entender a realidade económica e de ajudar a gerir o desenvolvimento global.
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Neste contexto de perturbada racionalidade emergiram pulsões irracionais, medos, manifestações e comportamentos xenófobos. E irresponsabilidade. Como aquela a que, com perplexidade, se assiste da parte daqueles que falharam na prevenção da crise, que falharam numa efectiva adaptação da economia à actual fase de globalização, mas que advogam e apoiam políticas proteccionistas.
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A globalização trouxe incalculáveis ganhos aos EUA e a muitos outros países, à Europa e ao Japão, à China, à Índia e ao Sudeste Asiático. Uma larga percentagem de cidadãos destes países beneficiaram amplamente em termos de emprego, de consumo e de investimento. Leia-se, a este propósito, "A year without Made in China" de Sara Bongiorni (2007). Mas muitos perderam os seus empregos e viram os seus rendimentos estagnarem ou diminuirem, sobretudo os que pertencem a estratos sociais médio/ baixo e baixo. A agricultura e a indústria têxtil dos EUA sofreu um impacto negativo, como diversos outros sectores. A distribuição desigual dos benefícios da globalização criou um problema social e, logo, um problema político. O acesso indiscriminado à compra de habitação por parte das famílias com menos rendimentos poderá ter funcionado como válvula de escape, até que a bolha rebentou.
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A medicina para a crise tem apresentado um conjunto vasto de soluções, sem que um sólido consenso a nível internacional tenha sido alcançado. Davos foi disso expressão. Há um problema de clarificação do nível lógico a que as soluções preconizadas se aplicam (global, intra-regional, inter-regional, nacional) mas há também agendas partidárias a fervilhar nos países que passaram por uma eleição recente ou se preparam para entrar em período eleitoral, que condicionam as escolhas. Seria desejavel que, antes da próxima reunião do G20, uma conferência internacional de macro e micro-economistas provasse, pelo menos desta vez, que a economia é uma ciência capaz de interpretar e de antecipar os efeitos combinados a diferentes níveis de diferentes cursos de acção e que, avaliadas as vantagens e desvantagens de cada um deles, propusessem um plano de acção global e fizessem recomendações sobre a orientação mais eficaz ao nível das macro-regiões económicas.
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Em plena recessão económica, desconhecendo os seus efeitos mais profundos, Portugal entrou psicològicamente em fase pré-eleitoral. Se é certo que muitas matérias poderão proporcionar a melhor competição partidária, a resposta à crise deverá merecer um tratamento distinto, deverá suscitar uma resposta consensual por parte do sistema de partidos. A menos que a democracia, numa situação de crise nacional, seja a forma acabada de privilegiar os interesses dos grupos partidários em detrimento dos interesses nacionais.
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O país precisa de uma resposta nacional. Precisa de uma orientação mobilizadora para as empresas e para as famílias. O país não precisa dum catavento de propostas dos economistas nacionais, independentes ou partidários. Precisa de uma análise sistemática, de uma proposta consensual baseada na evidência e numa análise estratégica. E não ficaria mal a Portugal ter um conselho internacional de assessoria económica para momentos de crise.

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