Wednesday, February 18, 2009

18-02-2009 Liderança e Competência

É a altura de perguntar se Portugal pode confiar na capacidade das suas lideranças para navegar esta crise.
.
No trimestre passado Portugal mergulhou no centro da crise económica global, arrastado pelo desmoronar do sistema financeiro americano, tão rigorosamente investigado e eloquentemente relatado por David Faber, em "House of Cards" (CNBC). Tudo leva a crer que a situação nacional irá ainda piorar por muitos e largos meses - senão anos - antes que comece a revelar melhorias.
.
É a altura de perguntar se Portugal pode confiar na capacidade das suas lideranças para navegar esta crise. É o momento de perguntar se o Governo, se o ministério da Economia, da Agricultura, das Finanças e do Emprego estão a fazer tudo o que devem para ajudar as famílias e para apoiar as empresas, se os líderes da oposição têm oferecido contributos úteis. Se os líderes das associações empresariais e de cada uma das empresas portuguesas têm um plano credível para confrontar a crise, para assegurar a sua sobrevivência ou mesmo para beneficiar a sua posição com estratégias que melhor se adequem à sua situação financeira, à sua vantagem competitiva, ao seu cabedal de inovação e à capacidade de servir os seus clientes. Serão uns e outros credíveis para pôr em prática esses planos?
.
A recuperação de Portugal depende da sua capacidade de exportar e da sua capacidade de penetrar mercados. Mas a actual quebra das exportações não está a acontecer apenas na Europa. Está a acontecer na China e em Singapura. De acordo com as Singapore Trade Statistics, houve uma quebra de 15,7% nas importações de Portugal, de 543,201 milhões de dólares de Singapura, em 2007, para 458,110 milhões de dólares, em 2008. As importações de produtos electrónicos dos códigos 84 e 85, que representaram 90% das importações de Portugal, sofreram uma quebra de 14,1%. Pior, o conjunto dos produtos não electrónicos teve uma quebra de 27,4%. Com alguma probabilidade, o processo de falência da Qimonda poderá levar a que as importações de Singapura com origem em Portugal possam vir a situar-se nos 50 milhões de dólares de Singapura, isto é, cerca de 25 milhões de euros.
.
As PME necessitam de um maior empenhamento do Estado e não apenas de crédito. Necessitam que o Ministério da Economia, com as associações empresariais, avalie o grau de desenvolvimento de cada sector económico e apoie a formulação dos respectivos planos estratégicos de sector.
.
Necessitam que sejam identificadas as empresas com maior potencial de exportação e que lhes seja proporcionado apoio em termos de desenvolvimento organizacional, TIC, certificação de qualidade, desenvolvimento de produtos, avaliação de necessidades financeiras e apoio à exportação. O Ministry of Trade & Industry de Singapura tem um ‘account manager' para cada PME exportadora apoiada pelos seus serviços.
.
Esta crise é nova e muito diferente daquelas que alguma vez os actuais líderes experimentaram. Talvez por isso, empresas financeiramente estáveis aparecem com estratégias próprias de empresas com risco de insolvência em vez de se lançarem na aquisição de empresas financeiramente vulneráveis com produtos e marcas de grande potencial, de prosseguirem o desenvolvimento de novos produtos e serviços e de arriscarem na conquista dos mercados emergentes.
.
Fazem falta a Portugal líderes que pensem ‘out of the box', a todos os níveis da decisão. Faz falta reforçar as actuais lideranças com profissionais nacionais ou estrangeiros com forte e qualificada experiência do mundo, nas empresas públicas e nos institutos públicos, nas associações empresariais e nas empresas privadas. Recentemente Singapura iniciou a substituição da actual CEO do fundo soberano Temasek Holdings por um gestor americano, circunstância que coincidiu com o anúncio da perda de 31% do seu capital. Uma realidade que seria impensável em Portugal.
.
Porque muitos portugueses, que propagandeiam o universalismo da sua cultura, por medo e insegurança são profundamente paroquiais nas soluções que adoptam e protegem-se a todo o custo dos olhares exteriores. Para que possam manter nos corredores da política como nos corredores das administrações um taticismo imediatista e preguiçoso aliado a um padrão de comunicação sem transparência, sem eficácia, quantas vezes eivado de pura perversidade.

Wednesday, February 4, 2009

04-02-2009 Responsabilidade

A distribuição desigual dos benefícios da globalização criou um problema social e, logo, um problema político.
Modelos teórico-ideológicos legitimaram as práticas que conduziram à presente recessão e à mais do que provavel depressão económica mundial. Muitos governos de países desenvolvidos, a começar pelos EUA, muitos gestores de sectores económicos específicos, com particular destaque para a banca, muitos investidores e muitos consumidores responderam "escrupulosamente" aos incentivos que esses mesmos modelos geraram e deles beneficiaram amplamente. Mecanismos de segurança foram iludidos. Modelos micro-económicos prescritivos baseados em análises descontextualizadas das rápidas transformações macroeconómicas globais, permitiram a catástrofe económica que o Mundo hoje enfrenta. Os macro-economistas, que previram os desastrosos efeitos sistémicos, foram subestimados enquanto os micro-economistas dispuseram das luzes da ribalta. As teorias económicas dominantes, transformadas em ideologias e guias de acção, falharam na capacidade de entender a realidade económica e de ajudar a gerir o desenvolvimento global.
.
Neste contexto de perturbada racionalidade emergiram pulsões irracionais, medos, manifestações e comportamentos xenófobos. E irresponsabilidade. Como aquela a que, com perplexidade, se assiste da parte daqueles que falharam na prevenção da crise, que falharam numa efectiva adaptação da economia à actual fase de globalização, mas que advogam e apoiam políticas proteccionistas.
.
A globalização trouxe incalculáveis ganhos aos EUA e a muitos outros países, à Europa e ao Japão, à China, à Índia e ao Sudeste Asiático. Uma larga percentagem de cidadãos destes países beneficiaram amplamente em termos de emprego, de consumo e de investimento. Leia-se, a este propósito, "A year without Made in China" de Sara Bongiorni (2007). Mas muitos perderam os seus empregos e viram os seus rendimentos estagnarem ou diminuirem, sobretudo os que pertencem a estratos sociais médio/ baixo e baixo. A agricultura e a indústria têxtil dos EUA sofreu um impacto negativo, como diversos outros sectores. A distribuição desigual dos benefícios da globalização criou um problema social e, logo, um problema político. O acesso indiscriminado à compra de habitação por parte das famílias com menos rendimentos poderá ter funcionado como válvula de escape, até que a bolha rebentou.
.
A medicina para a crise tem apresentado um conjunto vasto de soluções, sem que um sólido consenso a nível internacional tenha sido alcançado. Davos foi disso expressão. Há um problema de clarificação do nível lógico a que as soluções preconizadas se aplicam (global, intra-regional, inter-regional, nacional) mas há também agendas partidárias a fervilhar nos países que passaram por uma eleição recente ou se preparam para entrar em período eleitoral, que condicionam as escolhas. Seria desejavel que, antes da próxima reunião do G20, uma conferência internacional de macro e micro-economistas provasse, pelo menos desta vez, que a economia é uma ciência capaz de interpretar e de antecipar os efeitos combinados a diferentes níveis de diferentes cursos de acção e que, avaliadas as vantagens e desvantagens de cada um deles, propusessem um plano de acção global e fizessem recomendações sobre a orientação mais eficaz ao nível das macro-regiões económicas.
.
Em plena recessão económica, desconhecendo os seus efeitos mais profundos, Portugal entrou psicològicamente em fase pré-eleitoral. Se é certo que muitas matérias poderão proporcionar a melhor competição partidária, a resposta à crise deverá merecer um tratamento distinto, deverá suscitar uma resposta consensual por parte do sistema de partidos. A menos que a democracia, numa situação de crise nacional, seja a forma acabada de privilegiar os interesses dos grupos partidários em detrimento dos interesses nacionais.
.
O país precisa de uma resposta nacional. Precisa de uma orientação mobilizadora para as empresas e para as famílias. O país não precisa dum catavento de propostas dos economistas nacionais, independentes ou partidários. Precisa de uma análise sistemática, de uma proposta consensual baseada na evidência e numa análise estratégica. E não ficaria mal a Portugal ter um conselho internacional de assessoria económica para momentos de crise.